Despedida

Rafael Vendetta

Eu gostaria de dizer algumas palavras, mas eu sou ruim com palavras, então eu preferi falar dos meus sonhos.

Num sonho eu  encontrava uma cidade fria com uma antena colorindo ruas e desejos. Sim, falávamos de coisas do passado, mas na verdade a gente temia o presente, falando para si próprio que o passado era algo que não fazia mais sentido para nós. Meu terapeuta, que racionalizava até o amargo do café, dizia que a vida era assim, como tomar café em São Paulo no frio, essa era a vida.

Pobre terapeuta, pobre São Paulo.

Eu fui mexer em coisas velhas, foi assim que eu fui para lá (aí). Desenterrar o sofrimento dos antigos por entre papéis e cheiro de mofo e aí você surgiu, digo ressurgiu, com a tatuagem da Fênix na tua pele branca, que eu chamava de Quetzal, por que eu só conheci Quetzal, aquela ave que diziam que morria quando perdia a liberdade. Ave corajosa.

Não como eu, eu, andando por entre paralelepípedos amarelos, fazendo realpolitik do amor, flanqueando você nos momentos errados, quando eu deveria ter abandonado a minha coragem naquele gole de café e ter dito o que tinha de ser dito antes de tudo começar.

Mas não. Eu não disse nada, fiquei aqui escrevendo, morrendo de saudades homeopaticamente.

Ah não roja, eu não fiz o que deveria ter sido feito. Eu preferi andar erraticamente, caminhar por entre escombros emocionais, preferi montar castelinhos de nostalgia… Mas que palavra maldita e covarde, nostalgia… nostalgia… parece nome de remédio ruiva. Eu deveria ter ido até você.

Eu me lembro de tudo por que me lembro das histórias boas. Não sei quantas histórias boas eu vou ter na vida por que não sei quanto tempo vou viver, eu só sei que aquela flor que você esqueceu foi mais significativa do que a coleção completa do Jung lá em casa. Jung não me disse nada. Mas aqueles grampos na mesa, aquela flor, sim, aquilo tudo fazia muito sentido. Não sei quando vou viver isso de novo. Talvez seja exagero; não me importo.

São Paulo é tão cheio, mas o bar estava tão vazio. Eu não sei, mas aquilo teve cara de sonho. O encontro na fila, o beijo no parque, você e eu num lugar que eu não posso mais passar sem lembrar de você, por que mesmo que as coisas mudem, você estará gravada ali, com seus olhos, seu sorriso, com sua boca roja e seu perfume invencível.

Mas veja bem, os sonhos não acabam. O nome daquela palavra de que não conseguia me lembrar é despertar roja. Eu troquei por consequência, mas a palavra é despertar. “Depois do despertar vem, com o tempo, a conseqüência…” (Albert Camus). Óbvio que eu me reestabeleci roja, como eu sempre fiz na vida, dia após dia, com os sonhos guardados no coração. Eu sempre fui assim. Quixotesco pero no mucho.

A gente não mata os sonhos. A gente só acorda. Desperta. E volta a sonhar. O mundo é isso aí roja. É preto e branco e colorido ao mesmo tempo. É sonho e realidade. O mundo é o que a gente quer ele seja. E quando ele não é, eu digo que a terapia, a realidade, a sociedade e o capitalismo precisam ser  definitivamente mudados para haver mais gente ruiva e linda como você no mundo.

Quando a primeira cerveja acabou ruiva, eu vi que eu só tinha mais alguns minutos para olhar nos seus olhos à procura de mim mesmo. Dizem que isso é idealização. Pode ser. Talvez seja um universo vermelho. Juro que não irei mais escrever sobre você, por que guardar um universo dentro de si é coisa de gente grande.

oamanhaserasimbólico
oamanhaserasimbólico

https://pseudocontos.wordpress.com

Deixe um comentário