Amigo porção-única

Rafael Vendetta

Hoje foi um fim de noite estranho. Encontrei Alonso e ele não me via há quatro anos. Ele disse que eu continuava com a mesma cara. Perguntei como ele estava e ele me respondeu que bem.

Nos encontramos num posto de combustível, mas nenhum dos dois tinha carro, só parei para comprar cerveja e ele já estava  lá, bêbado e feliz com um cigarro na mão; rodeado de amigos porção-única. Havia cheiro de gasolina e ele disse que teve um filho com uma romena há 4 anos atrás e que continuava bebendo, fumando e saindo. Eu não falei nada, pois preferia ouvir e eu não tinha nenhum filho, muito menos com uma romena e eu não queria nem fumar, nem sair, apenas beber e voltar para casa. E por um lado, eu achei que encontrá-lo era um pouco tedioso.

Perguntei se o filho dele estava aqui ou na Romênia. Perguntei por perguntar, porque no fundo, queria acelerar tudo aquilo e eu não sabia o que fazer com duas latinhas de cervejas na mão e eu não sabia nada sobre a Romênia. Ele disse que a romena levou seu filho, mas era seu direito e ele entendia, mas sentia falta.

Perguntei se ele ainda se encontrava com alguém do passado, e ele disse que com ninguém. – Estão todos espalhados, me disse. Ninguém tem mais tempo para nada. É uma pena, disse com um sorriso cheio de decepção. E apagou o cigarro na sola do sapato. Os amigos dele também não ajudavam. Eles apenas olhavam e conversavam entre si, como se nossa idade fosse uma doença.

Foi naquele momento que todos os amigos de Alonso sumiram, no fundo da nossa conversa. Eu abri uma cerveja e perguntei se ele sempre passava ali, pois já tinha comprado cerveja nos últimos meses e nunca o encontrei. Ele disse que não. – Hoje eu só quero beber, sair e fuder, me disse. E eu fiquei constrangido com o que ele disse, mas no final, achei que nem tanto.

Ele me perguntou se eu tinha casado. Disse que me separei, mas não critiquei o casamento.

Ele perguntou se era homem ou mulher. Disse que era mulher.

E ele falou que não era homofóbico, caso a resposta fosse homem. Eu sorri e aí ele encheu meu copo de cerveja e passou a mão no meu cabelo e eu me senti ligeiramente homofóbico. Meu celular tocou, mas era o alarme.  Pensei em tomar Vicodin, mas eu já tinha cerveja e agi com desdém.

Ele falou que estava ficando velho e que iria morrer. Ele estava mais magro. Disse que fez o que pode. Que saiu com muita gente, que bebeu muito, que se divertiu. E que ele foi o melhor amigo que pode ser. E que agora bastava. E que estava tudo bem. E que ele era feliz. Pensei que podia ser uma despedida, então valorizei aquele momento, que no fundo, não me dizia nada.

Eu não sabia mais o que falar. Perguntei uma ou duas coisas que não vem ao caso pois são irrelevantes. Falei que iria embora. Ele não protestou.

E eu segui. Não o via há quatro anos.

Despedi-me de Alonso. Retomei meu objetivo pois estava tudo tedioso. Era preciso agir com desdém, voltar, tomar vicodin ou beber a cerveja. Nada importava, além de seguir. Pensava no cansaço dos meus joelhos e como Alonso, me atrasava e tornava meu caminho na rua de paralelepípedos amarelos, pior do que deveria ser. Despedi-me de Alonso sem dizer nada e pensei que meus amigos continuavam assim, espalhados pelo mundo.

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Estão todos espalhados

 

1 comentário

  1. de tempos em tempos eu vou pra cidade onde cresci em Minas, reencontrar os amigos. às vezes alguns vêm pra SP. da última vez que fui, me senti completamente deslocado, sem entender por que afinal eu tava lá. era ~só~ uma fuga… um desses meus amigos me disse uma vez que a gente nunca muda… ele ta casado com outra amiga de adolescência e com um filho já grandinho e uma filha pequena, mas realmente me parecia o mesmo… já eu me senti completamente diferente, olhando pra ele naquele momento. são 8 anos. não sei de onde raios ele tirou isso, mas concordei.

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