Há dias que são inverno

Rafael Vendetta

Há dias que são inverno. Mas se eu disser isso, com todas as letras, sem disfarçar, as pessoas vão aparecer, vão me ligar, vão me encontrar e fazer aquele olhar de pena e isso, eu sinceramente não quero.

Quem quer isso, não sabe realmente viver um inverno. Quem deseja uma compaixão de isopor não é digno ou digna do inverno que se tem. Que vá viver com os medos medianos. Que vá fazer café no fim da tarde, mas por favor, não force um encontro.

Talvez os que resolvam escutar possam pedir para vestir-se de anjos platinados. Anjos que despertam uma vontade imensa de rir e dizer: burlesco. Mas é certo: vão logo embora e desaparecer. Esperam a vez de falar e somem, pois é essa a receita do cotidiano.

Quando se sentirem bem, ou melhor, quando eu me sentir bem, será a vez delas de se permitir sentirem-se “deprimidas”; e aí retribuirei a gentileza, com alguma ar de gratidão e um tacape emocional escondido debaixo do travesseiro. E o mundo seguirá, com a fatura passando de um lado ao outro. Algum dia, alguém irá cobrar e aí é que a coisa começa a ficar esquisita.

Se eu insistir ao dizer: “nada mudou, continuo no meu inverno” elas vão me mandar procurar um terapeuta. Vão jogar com as pílulas prontas e os comentários-diamante. Falarão: faça-amigos-se-divirta-vá-ler-um-livro-exercite-se-chore-procure-amigos-durma-mais-vá-no-cinema-você-é-muito-solitário-que-tal-comer-algo. 

Isso tudo é muito deprimente. Me deixe com meu inverno. Eu colocarei alguma coisa no seu lugar. Eu alimentarei meu inverno com cerveja e o vento batendo no rosto, no fim da tarde de domingo.

Eu poderia dizer aos que insistem em curar meu inverno: já fiz isso tudo, não resolveu. Não me imponham essas cores, chega de distrações. Vamos parar de flanquear e ir direto ao ponto. Parem de se evitar. Vocês querem resolver meu inverno, pois temem que o seu verão acabe.

Amanhã não estarei melancólico. Talvez semana que vem tudo passe. Ou mês que vem. Ou pode ser como no ano retrasado, em que larguei a melancolia dentro de um ônibus, depois de oito meses brincando de jogos de armar, pude respirar e olhar ao sol, quase como na primeira vez.

Foi como nascer de novo. Eu sentia que podia andar com aquele calor. Mas era um mormaço que logo passou e eu voltei ao mundo, com o ar de gratidão. Agora falemos a verdade. Quem vive sem invernos?

Chega de mentir. A diferença é que eu resolvi falar sobre isso. Mas não quero olhar de pena. Eu quero apenas que vocês vivam seus invernos sem autopiedade.  É preciso aceitar o que se faz.

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Éprecisoaceitarnossosinvernos
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