Isolamento vermelho

Rafael Vendetta

Ruiva.

O silêncio tomou conta do mundo.

Eu segui ruiva. Juro, segui. E por anos a fio, tentei te esquecer. E te esqueci. Te esqueci tanto, que não sei mais, onde vou lembrar de alguém. Minha âncora se perdeu no espaço. Eu comecei a ficar silencioso, mas percebi que era o mundo que silenciava.

Tentei. Juro que tentei. Foram várias tentativas. E eu fui envelhecendo, depois de várias delas. Tentei até cansar, mas nunca se sabe quando se para de cansar.

Não sou mais ninguém. Não sou nada. Acho que me entreguei ao espaço onde perdi minha âncora e minha âncora era você. Pense bem. Ainda tenho aquele colchão. Agora, juntei, um sofá velho, uma tv, cem, mil livros e uma árvore da felicidade, crescendo em ritmo artesanal. Estou no fim do mundo. Mas o mundo, essa forma de esmagar pessoas e sementes, move-se industrialmente, e eu me lembro dos teus cabelos ruivos, como eram ruivos, da minha mão na tua fronte, de você, fingindo dormir, enquanto eu lia Goethe, e seguia. Mas era tudo um sonho.

Foi tudo mudando. Eu me afundei e esqueci de tudo. Fui apagando o que sobrava. Comi bolo de laranja e sumi; dia após dia. No fim do café da tarde. Olhei capivaras, fotografei capivaras, quis abraçar gatos. E os pombos, irritantes, gritando, e pombos não gritam mas incomodam, foram passando o tempo, com as filas, com o som da obra do vizinho, e eu fui me calando. Me calei tanto, que comecei a calar o mundo, colocando um universo dentro de mim.

Quando se faz isso, há de se ter medo. É um perigo se perder na água do mundo. E aí eu me lembrei de ti. Eu tocando teus cabelos num sonho, acima do horizonte. Tu me olhou e não disse nada. Não estou pronto pra recomeçar. Talvez, tenha perdido a chance. Meu tempo já passou. Eu não consigo mais enxergar o vermelho do mundo. Acho que matei essa parte de mim.

Ruiva. Me escute.

Eu fracassei. Eu morri. Eu não estou mais onde devia. Eu perdi tua parte de mim. O silêncio vermelho me tomou do início ao fim. Estou vivo, mas em quarentena com a vida. Meu isolamento social é vermelho.

silêncio vermelho. Foto by: Marzena Skubatz In Ignant.com,

1 comentário

  1. Hj uma menina ruiva me apareceu em sonhos. Ao acordar, lembrei de vc, do seu blog e seus textos, com a sua ruiva. Daí vim aqui conferir se ela ainda estava viva. Pois não é que uma década depois ela reexiste, em meio aos escombros de uma catástrofe pandemica, num tal isolamento vermelho. Parabéns pela persistência e grata pelo referencial. Devo levar isso amanhã pra minha análise. Abraços rubro negros!

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