Fragilidade

Caminhava com rumo, cumprindo o hábito de existir, com o rigor dos distraídos.

Defronte a calçada, uma senhora passeava com uma calopsita numa gaiola. Odiava pássaros presos, mas por um momento a calopsita e a gaiola, se fundiram num temor de existência.

Imaginou o mundo acabando, na fragilidade de um par de anos de uma calopsita, ou de quatro ou seis dezenas do humano. Imaginou aquela senhora frágil, sob a passagem dos dias e dos anos, sumir como poeira, e também se fragilizou. Não estava mais distraído. Todos éramos frágeis e queríamos a permanência. Mas pela dureza da existência, sumiríamos.

Imaginou a terra se acabando com o sol explodindo a seis bilhões de anos luz, e num milisegundo, passou do hábito para a tristeza, pois sabia que também sumiria e que estaria acabado, talvez em breve.

Teve vontade de chorar, mas o toque da rotina, fez-lhe segurar os guidões da bicicleta e olhar para a estrada.
Na outra semana, inerte, retomou a rotina, mas com lampejos de felicidade. Tomou café, almoçou com amigos, falou amenidades e bebeu cerveja sem pensar na vida. Parecia que estava na praia e o tempo demorava a seguir, mas seguia. Não lembrou da senhora com a calopsita. Nem penso que por fim, se decomporia. Com atenção, saiu, olhou para o céu, pegou chuva forte na rua.

Cada gota forte e persistente, parecia não mais lhe afligir. Decidiu: estaria acabado em breve, mas olharia para o sol com orgulho, com os dedos escorrendo no cabelo negro, beijaria distraidamente o abismo, com o amor frágil da existência e talvez, com alguma sorte do futuro, poderia sorrir, uma ou mais vezes, antes de partir.

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