Do sonho com a ruiva

Rafael Vendetta

Assisti num filme que só se perde tudo quando não se tem mais nada. Hoje eu tenho um pouco, e não é muito.

Numa sexta-feira, algo me acometeu (e não nos acometemos todos?).

Fiz tudo errado Ruiva. Eu chorei quando não era para chorar (e se passavam meses da última vez). Eu fui sincero quando não poderia ser. Eu calei quando deveria falar. E falei demais comigo mesmo. Já me bastou. Eu não me basto. Chega ruiva.

Nas últimas semanas senti-me horrível. Quem consegue ficar bem sem conseguir ler um livro? Sem olhar no espelho durante meses?

Eu te encontrei com um vestido florido lindo. Estava num encontro com muita gente (e não é assim a vida?) e você me encontrou e acolheu. Você me abraçou, sorriu, e eu te beijei suavemente, perdido e confuso, mas me senti seguro quando você riu e me abraçou do seu jeito. Foi como ter a vida resgatada. Era um sonho, fugaz como um sonho. Acabou. Mas foi bom. Eu queria sonhar aquilo cem vezes.

Puxar ferro ou ficar citando foucault é a mesma coisa Ruiva. Só mudam os atores. Eu não aguento mais isso. Eu olho pras coisas que eu escrevi ou fiz há dez anos e sinto quase o mesmo incômodo. Eu queria te abraçar e beijar ruiva, como no sonho. Queria sentir aquilo de novo, na fila da comida, que não tinha opção vegetariana.

A metalurgia da vida golpeou a esperança e eu sempre fui um agnóstico empedernido, mesmo para o amor. Eu me exilei em algum lugar, lá no passado, talvez naquela fila.

Acordei como água fervente, sumindo a cada minuto no ar. Larguei-me com café olhando o gato e a árvore da felicidade, que estava tão calada. Pensei que com água no rosto, o passado e o sonho se revelariam. Não. Veio uma ressaca moral. Senti tua pele, tu estava próxima de mim, mas acabou ali, na realidade do almoço. Foi difícil tomar café, andar até o ponto, trabalhar, pensar, falar da Primeira Guerra Mundial. Eu senti o teu peso no meu mundo. Depois bebi água.

Há pessoas sem sorte. Será que sou uma delas? Será que perdi o trem da história? Existe um trem da história? Pros que perderam a estação, creio que o trem não existe. Errei muitas e muitas vezes, mas será, que ainda há tempo, ainda que remotamente, de um acerto de contas com meu passado-futuro? Eu poderia ser feliz ainda ruiva?

E ainda há algo que me impede de viver aquela fila novamente, da grama, do barulho, da mordida, do parque, da sala fechada onde nós nos encontramos, do sino; não sei mais.

Esses sonhos vem e vão. Parecem não acabar.

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